Marc Perrenoud Trio
Texto: Eugênio Martins Jr
Fotos: Divulgação
Conhecida por sediar um dos festivais mais importantes do mundo, o Montreux Jazz Festival, a Suíça possui uma nova e prolífica cena jazzística, da qual faz parte o pianista Marc Perrenoud.
Ele começou na música clássica, mas logo bandeou-se ao jazz por causa do improviso e desde que começou a gravar foi considerado uma revelação no mundo do jazz.
Seu trio trabalha com a precisão de um relógio, composto por Marco Müeller (baixo) e Cyril Regamey (bateria), está junto há 12 anos, contabilizando mais de 300 shows e sendo considerado um dos grandes trios de jazz acústicos da cena atual.
Gravaram grandes discos, Logo (2008), Two Lost Churches (2012), o excepcional Vesty Lamento (2013) e Nature Boy (2016). Marc Perrenoud Trio tem um repertório com mais recurso do que um canivete: suas influências vão desde o trompetista norte-americano Chet Baker e o pianista canadense Oscar Peterson, passam pelo pianista e compositor russo Igor Stravinsky e o francês Maurice Ravel, e chegam até a banda inglesa de trip hop Massive Attack.
Ainda em carreira solo, Perrenoud avança no repertório erudito (Hamra de 2016 é bem isso), e nas parcerias, seu mais recente trabalho, Aksham (2019) traz a bela voz de Elina Duni.
Atualmente o grupo prepara o lançamento de seu quinto álbum, cujos temas foram apresentados em primeira mão na segunda edição do Sesc Jazz, que incluiu Santos no calendário, e onde essa entrevista foi realizada.
Não dá pra não mencionar, Marc Perrenoud rasgou elogios às equipes que o atenderam em suas passagens pelo brasa. Para quem está acostumado a tocar no mundo todo não é pouca coisa.
Outra coisa que não dá pra não mencionar, a Suíça também é conhecida pelo chocolate, mas isso eu não consegui enfiar na matéria.
Eugênio Martins Júnior – Seus pais eram dedicados à música clássica. Quando e como o jazz entrou na tua vida? Li que isso foi uma pequena revolução pra você. Poderia explicar isso?
Marc Perrenoud – Sim, meus pais eram músicos profissionais. Cresci em Berlim, na Alemanha, e meus pais tocavam em orquestras lá. Então estava cercado por música clássica e músicos o tempo todo. E comecei a aprender piano, mas gostei da improvisação desde o começo e é por isso que eu digo que foi a minha pequena revolução.
EM – E o clássico não permite improvisação.
MP – Não. Adoro música clássica, que tem uma abordagem diferente, mas adoro improvisar.
EM – Você lembra quais foram os primeiros artistas de jazz que ouviu?
MP – Comecei no jazz aos 14 ou 15 anos ouvindo Fats Waller e Oscar Peterson, mas ao mesmo tempo descobri o rock e outros estilos musicais. Até então só ouvia música clássica... e Beatles. (risos)
EM – Em 2016 você gravou seu primeiro disco solo após ter gravado alguns com o trio. Gostaria que contasse a história desse trabalho. Poderíamos dizer que misturou Bach com Monk?
MP – É uma mistura de muitas coisas. Além da música clássica, coloquei coisas pelas quais estava sob muita influência. Influências árabes, estava morando no Líbano naquela época. Fazendo muitos concertos solo. Iria gravar um disco com o trio que foi cancelado e acabei gravando o solo. Foi um projeto legal porque foi sem pressão, ninguém esperava um CD solo. Em 2016 gravei o CD solo e um com o trio. Todos diferentes entre si.
EM – Estamos em 2019. Como lidar com todas as influências que o jazz produziu nesses cem anos de história e ainda olhar para o futuro?
MP – Pra mim a música não é a vida. É parte dela. Não sou particularmente influenciado pela música. Claro que ela tem sua parte, mas minha maior inspiração é o que vejo à minha volta. Os diferentes lugares, as pessoas que conheço, descobrindo coisas novas, ouvindo e falando sobre política, a partir disso criar as músicas. Há algumas influências de outros compositores, clássicos, do jazz, não posso dizer o quê, ou de onde vem. Talvez Ravel, Oscar Peterson, a viagem ao Brasil ou a África. Não sei. Pra mim é importante estar aberto para a vida. Um bom exemplo é a viagem entre São Paulo e Santos que é muito bonita, através da floresta. Isso me inspirou.
EM – Li que você começa a compor de manhã e durante esse processo revisita teus sentimentos e até o teu ego. Parece que o teu processo de trabalho vem mais do bom e velho trabalho duro do que da inspiração divina. Gostaria que falasse sobre esse processo.
MP – Sim. Não entendo muito bem como isso acontece. Mas é como se fosse um garimpo atrás de ouro. Tento achar elementos que se encaixam. É sempre assim. Nunca tive inspiração divina. (risos)
EM – Ao longo dos últimos anos muitos grupos de jazz vem usando uma parafernália eletrônica nas apresentações, mas mais recentemente apareceu um movimento em direção ao jazz acústico com trios aparecendo cada vez mais. Inclusive esse festival que está recebendo Avishai Cohen, Amaro Freitas e vocês. O que tem a falar sobre isso?
MP – É verdade. Para nós no trio que estamos juntos a 12 anos nunca usamos eletrônicos. Mesmo fazendo muitas coisas tentamos manter assim. Trata-se da forma mais simples e natural de fazer música. Esse é o nosso conceito.
EM - Você já tocou no Rio, São Paulo e agora volta para esse festival. Como tem sido sua experiência por aqui?
MP – Maravilhosa. Dessa vez tocaremos em dois Sescs, ontem tocamos em São Paulo e hoje estamos em Santos. Os instrumentos são perfeitos, o time muito profissional. Como eu te disse antes, gostaria que tivéssemos isso na Europa e na Suíça às vezes. São muito precisos com a luz o som. E adoro viajar, ir de uma cidade para outra é maravilhoso, podemos conhecer o país. Espero poder fazer mais vezes no Brasil.
EM – Você teve contato com a música popular brasileira ou o nosso jazz, o samba jazz?
MP – Sim, claro. O jazz é um estilo universal. Quando você tem uma música popular que pode improvisar, isso é jazz. Vocês chamam de jazz brasileiro. Mas nos outros lugares podemos chamar de jazz asíatico ou jazz do Oriente Médio.
EM – Sim. O que eu quis dizer, mas não expliquei, é que o Brasil é um páis com dimensões continentais e com muitos ritmos musicais e o brasileiro mistura todos eles, inclusive improvisando em cima. Samba jazz é um nome que usamos pro samba instrumental.
MP – É muito bom ver isso. Na Suiça existem muitas universidades e escolas onde muitos artistas são formados.
EM – Você pode recomendar alguns?
MP – Sim, claro. Schnellertolermeyer, que é uma espécie de banda de jazz progressivo. As cantoras Elina Duni e Susanne Abbuehl. O pianista Nick Bertschy. Há muitos outros.
EM – Já que você fala sobre política. Você acompanha a escalada da extrema direita na política brasileira?
MP – Sempre tenho o cuidado de falar sobre o que não conheço. Sou casado com uma siria, nos conhecemos na guerra, por isso conheço a situação do país. Sobre o Brasil, conheço pela mídia. Claro que sei sobre Bolsonaro, as coisas ruins que falam dele. Provavelmente, as verdadeiras e as falsas. Preciso conversar com mais brasileiros para entender qual é a situação. O que sei é que a música e as artes em geral estão em evidência, mas na maioria dos casos é por causa das políticas populistas. Na Suiça também temos partidos populistas que querem cortar o dinheiro para a cultura. Mas digo mais uma vez, é difícil dar uma opinião sem conversar mais com as pessoas no Brasil. Mas é estranho. Onde eu vivo há uma comunidade brasileira e conheço muitos jovens que votaram em Bolsonaro. Pessoas muito jovens. E fico pensando, o que levou esses jovens a votar nele.
EM – Eu também não sei.
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