Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Divulgação Guy King
Hoje, Chicago é a Meca do Blues elétrico. Todos os músicos espalhados pelo mundo sonham em um dia ir até lá. Artur Menezes, Celso Salim, Aki Kumar e Guy King atingiram essa meta e hoje moram nos Estados Unidos. Sem falar em André Christovam, Giba Byblos, Ivan Márcio, Maurício Sahady e tantos outros brasileiros que também realizaram o sonho de gravar na gringa.
Nascido e criado em Israel, Guy King cresceu alimentando a alma com Ray Charles, BB King, Wes Montgomery e a nossa Bossa. Aos 16 conheceu os Estados Unidos com seu grupo vocal e aos 21, após três anos de serviço militar obrigatório, deixou o país e a família para viver o sonho de tocar na cidade mais importante do Blues mundial, a grande Chicago. Não sem antes fazer um pequeno estágio em Memphis e New Orleans, daí seus discos recheados de metais.
E como quem tem um sonho não dança, após curto período na windy city, King já estava empregado na banda de um dos mais conhecidos artistas locais, o cantor, compositor e baixista, Willie Kent.
Nos seis anos ao lado de Kent, King ajudou colocar a banda na estrada cuidando das coisas da produção. Com a morte do líder, em 2006, retirou-se da cena para recarregar as baterias. Quando voltou, estava com sua própria banda pronta para gravar. O álbum Livin It veio em 2008. Seguiram-se By Myself (2012), I Am What I Am and It Is What It Is (2012) e o mais recente Truth (2016).
Misturando jazz com blues, King se estabeleceu usando a técnica peculiar de beliscar as cordas da guitarra com o polegar, técnica semelhante a Wes Montgomery, uma de suas maiores influências.
No finalzinho de 2018, quando concedeu essa entrevista, Guy King se apresentou no Brasil com Wladimir Catunda (Bateria), Nino Nascimento (baixo), Davi Sansão (piano e teclados).
O agradecimento especial vai para a produtora Erika Brenno que viabilizou a entrevista.
Eugênio Martins Júnior – Quando foi a primeira vez que ouviu o Blues?
Guy King – Era muito jovem. Provavelmente aos três ou quatro anos. Lembro de cantar músicas populares da época pré-rock, com certeza influenciadas pelo blues. Costumava tocar clarinete em uma big band. Era viciado em jazz e música clássica. E claro, os Blues eram algumas das músicas que tocávamos. Peguei a guitarra com um pouco mais de treze anos, no começo influenciado por Eric Clapton, David Bowie, Marvin Gaye, Michael Jackson, onde os blues estavam presentes. E depois Stevie Ray Vaughan, BB King, Albert King, Robert Johnson, T Bone Walker. Ouvi muito Ray Charles quando criança e isso me influenciou muito.
EM - Em Israel, seu país natal, existe uma cena blueseira com bandas e festivais como a que existe no Brasil?
GK – Sim, mas em Israel a cena blues é bem pequena. Acho que melhorou um pouco com as mídias sociais. Há dois anos toquei no Red Sea Jazz Festival com a minha banda de Chicago. Quando era jovem a cena praticamente não existia. Havia poucas pessoas tocando blues. Havia mais jazz naquele tempo. Gosto de pensar que, no geral, é Soul Music, Jazz, Gospel, Blues, Rhythm Blues, que têm da mesma origem. Acredito que no Brasil haja mais eventos, músicos e festivais do que em Israel. Acho que lá a world music é mais forte. Mas Israel é um país muito pequeno e o Brasil é muito rico. Estou impressionado com o número de pessoas e músicos atraídos e que dão suporte a esse tipo de música no país. É maravilhoso ver isso.
EM – Você morou em Memphis, New Orleans e agora Chicago, três cidades importantes para a música americana. Poderia falar de que maneira isso te influenciou? Quer dizer, em Livin It podemos notar uma sessão de metais bem presente em algumas canções.
GK – Morei em Memphis e New Orleans por pouco tempo, logo quando cheguei aqui. Mas tenho de ser honesto, Chicago me influencia mesmo antes de vir para cá. Sou músico profissional desde muito jovem e vim para os Estados Unidos para tocar. A música de Ray Charles, Albert King e BB King eram grandes para mim antes de conhecer esses lugares. É claro que quando estive lá pela primeira vez vi e senti as coisas de Memphis e New Orleans. Mas quando cheguei a Chicago, tive de ser apresentado aos músicos e sua arte, Muddy Waters, Howlin’ Wolf e Freddie King, Buddy Guy, Otis Rush, Magic Sam, Little Walter, Otis Spann e muitos outros que me ajudaram a chegar às raízes de tudo isso. A sessão de metais estava presente em minha mente antes de conhecer esses lugares. Como já disse, ouvia essa música desde criança, tocava em uma big band desde oito anos. É claro, você aprende e é influenciado por estar em Memphis, New Orleans e, principalmente, em Chicago. Você toca e canta o que vive.
GK – Foi um período importante em minha vida. Foram seis anos tocando guitarra principal na sua banda. Com pouco tempo já estava tomando conta das coisas antes e depois dos shows. Viajamos para a Europa e Japão com a banda. Foi demais. Eu tinha vinte e dois anos e ele um pouco mais de sessenta. Naquele tempo adquiri muita experiência e credencial para conhecer um monte de gente importante, me preparando para fazer a minha própria música. Foram muitas histórias e lições a serem aprendidas.
EM – O indiano Aki Kumar teve de largar um bom emprego na área da computação para entrar de cabeça na música. Você teve de fazer alguma coisa parecida. Houve algum tipo de choque cultural?
GK – Todos que se dedicam a alguma coisa que acham importante sacrificam alguma coisa. No meu caso tive de partir. Deixar a família que amava. Ficar por minha conta com a minha maleta e minha guitarra em um lugar novo. Tentando fazer uma coisa que achava que tinha de fazer. Choque Cultural? É diferente, você sabe. Tive o prazer de viajar por muitos lugares. Conheci pessoalmente coisas que havia imaginado quando era criança e eram diferentes da minha visão de infância. Não digo que tenha sido um choque cultural, mas novo, difícil e desafiador. Definitivamente.
EM - Como foi a tua adaptação em Chicago, a terra do Blues elétrico com todos aqueles caras importantes: Buddy Guy, Lonnie Brooks, Magic Slim, Otis Rush, Albert Collins?
GK – Minha adaptação foi ótima. A maioria das pessoas que você mencionou já tinha ouvido antes e outras não. Cresci em uma cidade vem pequena onde nós cultivávamos a nossa própria comida, frutas, vegetais, e a música não era tão popular a não ser a que tocava no rádio. Então, quando era criança já tinha ouvido falar em Buddy Guy, mas Lonnie Brooks, Magic Slim e Otis Rush nunca tinha ouvido falar antes de chegar a Chicago. Albert Collins era texano e só associamos seu nome à cidade porque ele gravou pela Alligator. Mas como disse antes, tudo é blues. Me adaptei rápido porque gosto de ouvir a música e recebi o conselho ir aos clubes para ver as pessoas tocarem e absorver tudo. Um pouco mais de duas semanas já havia sido chamado para um show, a cidade foi muito boa comigo e desde então meu nome vem crescendo.
EM – Após a morte de Kent você resolveu dar um tempo. Isso serviu de preparação para gravar Livin It?
GK – Após a morte de Willie Kent, em primeiro de março de 2006, decidi dar um tempo. Não por que estava preparando um álbum, mas porque éramos muito chegado. Ele morreu apenas alguns anos após eu perder meu pai e minha mãe para o câncer e ele também morreu de câncer. Tocávamos todas as noites nos clubes. Tive de dar um tempo para respirar e olhar em volta o que estava acontecendo. Toquei por seis anos na banda dele não havia sentido continuar naquele momento. Fiquei praticando em casa, ouvindo muita música e após alguns meses senti a necessidade de tocar ao vivo de novo. Você sabe, é disso que vive o músico. Decidi voltar e começar meu próprio grupo. Não pensei em gravar imediatamente, mas depois de meses tocando e ter escrito algumas músicas decidimos gravar algumas faixas ao vivo. Levamos um ano e meio gravando Livin It.
EM – O teu mais recente álbum, Truth, foi gravado pela Delmark. Um dos selos mais importantes do Blues. Gostaria que contasse a história desse disco que teve a produção do veterano Dick Shurman.
GK – Após a gravação de Livin It, Dick nos deu suporte. Ele costumava assistir aos shows de Willie Kent comigo na guitarra. Quando apareci com a minha própria banda ele se tornou um fã da música que eu estava fazendo e decidiu que devíamos fazer alguma coisa juntos. Compartilhamos o amor pela mesma música e lógico que o histórico de Dick com Albert Collins e Otis Rush pesou bastante pra mim. A oportunidade apareceu quando a Delmark se mostrou interessada em 2015, por coincidência, quando eu estava numa turnê pelo Brasil. O dono do selo, Bob Koester, me ligou perguntando se eu estava interessado em gravar e claro que eu disse sim. Quando voltei para Chicago chamei meu grupo e alguns meses depois entramos no estúdio da Delmark para a gravação do álbum. Usamos seção de metais, um grupo de garotas para fazer os backing vocals e foi uma grande experiência. Tive a oportunidade de escrever algumas canções me parceria com David Ritz e fazer releituras de canções que são importantes pra mim. Esse álbum foi indicado no prêmio Blues Music Awards.
EM - Você já esteve no Brasil várias vezes. Conhece a cena blueseira local?
GK – Conheço agora. Já estive por aqui em turnê, meu nome vem crescendo e sou grato por isso. A primeira vez que estive aqui foi em outubro de 2011. Desde então já foram seis turnês pelo Brasil. Da primeira vez fiquei surpreso em ver tantos músicos interessados e tocando bem essa música. Tenho tocado com bandas em São Paulo, Goiânia, Recife, Curitiba, Campo Grande e Florianópolis. Tenho feito muitas entrevistas em jornais, rádios e TVs. Hoje conheço mais a cena.
EM – Tail Dragger disse em uma entrevista a um jornal de Chicago que o Blues está cada vez mais sendo tocado por jovens brancos, inclusive de outros países. Por exemplo, você é israelense, Aki Kumar é indiano e Artur Menezes e Celso Salim são brasileiros. Todos morando nos Estados Unidos. O que tem a dizer sobre isso?
GK – Sim. Como já te disse antes, vejo as coisas um pouco diferentes. Vejo música, ouço música e imagino uma música bonita. Profunda e vinda da alma. Se quiser chamar de blues, de soul, ou pop, quando ela atinge o maior número de pessoas, tudo bem. Não me importa. Para responder a tua pergunta. Não há dúvidas sobre as raízes negras do blues nos Estados Unidos. Ela começou no sul do país sob as piores condições, sob a escravidão, pobreza, opressão de toda uma população. Isso é um fato. Desde que se tornou uma música conhecida, passou a ser tocada ao redor do mundo. É claro que o Blues no Brasil será influenciado pelas histórias do Brasil. Ou seja, a música é boa quando ela é boa. E não porque é daqui. Porque você não é negro e do Mississippi. Hoje ouvimos boas músicas em blues, soul, jazz vindas de todas as partes do mundo. Graças a Deus. As pessoas são influenciadas por elas. O que é lindo. Espero que toquem o coração das pessoas e obtenham um pouco mais de reconhecimento por isso. Pra mim o que conta é se a música é boa ou ruim e não se é feita nos Estados Unidos, Europa ou América do Sul, por brancos ou negros.
EM - Li em algum lugar que você também é fã de Bossa Nova. Teve contato com essa música no Brasil? Quais as suas impressões sobre o país?
GK – Amo Bossa Nova e o que vocês chamam de samba de raiz. A influencia de João Gilberto é tão importante pra mim quanto Ray Charles, BB King, Count Basie e Wes Montgomery. Acho-o maravilhoso, acho Tom Jobim maravilhoso, são clássicos. Tão importantes para a música quanto qualquer um. As melodias, harmonias, a batida e o groove são verdadeiros tesouros. Ouvia música brasileira desde quando era criança em Israel onde é muito popular. No final dos anos 70 me influenciou muito. Tenho tido o prazer de ouvir pessoalmente desde que venho ao Brasil. Minhas impressões sobre o país? Amo o Brasil. As pessoas são maravilhosas, calorosas, e a comida é ótima. Há muitos lugares bonitos por aqui. Praias lindas, florestas e montanhas. Sei que há problemas difíceis de resolver, mas espero que as coisas melhorem para as pessoas. Todas as vezes que surge a oportunidade de vir para cá fico muito feliz. Espero voltar rápido para uma próxima turnê e espero encontra-lo. Obrigado.
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