sábado, 7 de julho de 2018
Mahalia e Etta vivem na música de Andrea Dawson
Menina negra norte-americana, cantora, protestante que cresceu na Igreja Batista. Essa história é conhecida.
Influenciada por Mahalia Jackson, uma das maiores cantoras gospel de todos os tempos, e a lenda do blues, Etta James, a quem dedica um projeto de resgate de seus “early years”, Andrea Dawson passou pelo Brasil no fim do ano passado (2017), quando concedeu essa entrevista ao Mannish Blog em um dos shows de sua extensa – para os padroões brasileiros - turnê com onze datas.
Andrea fala fácil e tem um sorriso largo e, cantando, é a prova viva de uma de minhas teorias: a soul music veio do blues, mas a certa altura a matriz incorporou elementos da sua criação, metais, diversas vozes e groove. Música de protesto chacoalhando os quadris. E Ain't No Sunshine When She's Gone (Bill Withers), The Thrill is Gone (BB King), e I'll Take You There (The Staples Singer), atestam.
Apesar de ter a consciência sobre peso da tradição que carrega, seu primeiro trabalho, Left With the Uptown Blues, leva a todos os caminhos possíveis, desde os blues cantados na era das grandes divas do século passado até seus atuais derivados. Um salve para o Igor Prado que facilitou essa entrevista.
Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: Andrea Dawson (divulgação)
Eugênio Martins Júnior – Você começou a cantar na igreja com quantos anos?
Andrea Dawson – Além do pastor, a igreja Batista da minha pequena cidade tinha um coro com 60 cantores gospel. Me apaixonei pelo canto e me juntei a eles desde cedo, aos sete ou oito anos. Mas antes disso já vivia cantando o tempo inteiro.
EM – Para muitas cantoras a igreja foi o primeiro palco para se apresentar, não é verdade?
AD - Sim. Minha inspiração era Mahalia Jackson. Minha família me disse: “Você quer cantar? Tem um lugar onde você pode cantar o dia inteiro. E me levaram pra igreja”. (risos)
EM – E quando foi que você dicidiu sair do seu emprego regular para seguir a carreira de cantora? O que a fez decidir?
AD – De onde eu venho, Dallas, Texas, há muitas bandas de blues e muitas jams e eu costumava cantar em algumas. As pessoas do meu bairro escutavam muito blues, nos anos 70 havia muito R&B, soul, e ouvi muito dessa música nos meus primeiros anos. Foi assim que comecei a cantar os blues.
EM – Qual paga melhor, o blues ou seu trabalho regular?
AD – Definitivamente meu trabalho regular. (risos)
A não ser que seja música pop. Não importa o que você faça nos Estados Unidos. Porém, cantar é muito mais compensador.
EM – Li que você era tão tímida a ponto de cantar em karaokês para perder a timidez. Isso procede?
AD – Sim, sabia que queria cantar, mas era muito tímida para estar em um palco. Então, todas as vezes que era possível tentava estar em um palco. Eu cantava nos coros da igreja e da escola e a transição para o palco não foi fácil.
EM – Você ainda sente isso hoje?
AD – Um pouquinho. Não tanto quanto costumava ser.
EM – Austin, Dallas e Houston são cidades quentes para o blues. Grandes nomes fizeram a fama nesses lugares, Johnny Copeland, Johnny Winter, T Bone Walker, só para citar alguns. Gostaria que falasse sobre isso e como está a cena.
AD – Sim, Stevie Ray Vaughan e muito antes dele Blind Lemon Jefferson. Muitos músicos continuam tocando um estilo bem particular nesses lugares. Você não vai ouvir por lá o estilo de Chicago. Em Dallas não há esse estilo suingado, nem metais como em Memphis, mas muita guitarra. Não é um blues voltado ao jazz. Já Austin continua mantendo a tradição, mas lá há um som bem selvagem. O clube Antone’s trouxe músicos de Chicago e da costa oeste e isso acabou influenciando um pouco os locais. Ainda existem muitos clubes, mas não tantos quanto costumava ter. Hoje tocamos blues em restaurantes, bibliotecas, museus, galerias e festivais.
EM – Em seu disco Uptown Blues você viaja por muito estilos. Gostaria que falasse sobre essa viagem musical.
AD – Sim, tem mesmo. Gosto de muitos estilos musicais, soul, blues e country. Não country blues, mas country music. E nesse CD em particular canto várias desses músicas escritas por mim e por um outro compositor que soube interpretar o que eu queria.
EM – Atualmente você está trabalhando em uma homenagem a Etta James. Poderia contar como é esse projeto?
AD – Queria trazer a tona os primeiros trabalhos de Etta James. Ela tem uma história muito rica como precursora do rock and roll. Escreveu muitas músicas, tinha cantoras auxiliares, muitos de seus músicos dessa época também tocavam em big bands como a de Count Basie, e até na banda de Dizzy Gillespie. E seus shows tinham grande produção. Adoraria trazer isso de volta.
EM – Como têm sido os shows no Brasil?
AD – Têm sido lindo. Já fizemos oito do total de onze. Começamos no nordeste, em São Luiz, no Maranhão.Foi muito bonito, pessoas ótimas. Depois fomos para São Francisco Xavier, Curitiba. O Brasil é muito grande. Mesmo nos estados. Não imaginava que São Paulo fosse um estado. Achei que era apenas uma cidade. Fomos para Botucatu e tivemos de dirigir até lá e é longe de São Paulo. Também com pessoas ótimas.
EM – O brasileiro geralmente gosta do blues. É como se fosse o nosso samba. É a sua primeira vez no Brasil. Está gostando?
AD – Sim. Gostei do país, da comida e das pessoas.
EM – O que você mais gostou no nosso país e o que não gostou?
AD – Gostei mais da vegetação natural. As árvores, as plantas, há tanto verde em todas as partes, o que não acontece nos Estados Unidos em muitos lugares. Aqui tem frutas e vegetais que nunca havia visto. O que menos gostei foi o trânsito em São Paulo. As motocicletas me assustam. Fico nervosa porque se fosse nos Estados Unidos estariam mortos. Eles voam no meio dos carros. É assustador. (risos)
EM – Você imaginava que havia tantas bandas e festivais de blues no Brasil.
AD – Nunca. Muitos garotos brancos tocando blues. Talvez porque vocês também tenham a influência da música africana. Vocês têm muitos batidas. É muito compensador porque não apreciam tanto o blues assim nos Estados Unidos.
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