Aki Kumar (foto: Tiago Cardeal - Santos Jazz 2017)
Entrevista: Eugênio Martins Júnior
Aki Kumar se mudou para o Vale do Silício, na Califórnia (EUA), aos 18 anos com um objetivo, se tornar um engenheiro de software bem-sucedido. Porém, algo aconteceu ao longo do caminho: ele descobriu a música de Howlin 'Wolf e os clubes de blues na área da baía de São Francisco. Virou músico.
Ela, a música, esteve presente na sua vida desde cedo. Mas não o blues. Aos oito anos de idade seu pai o matriculou em aulas de música tradicional indiana e só mais tarde, já radicado nos EUA, começou a estudar com David Barret, indo tocar sua gaita no quarteto Tip of the Top.
O primeiro álbum foi lançado em 2014, intitulado Do Not Hold Back; o segundo Aki Goes to Bollywood (2016), saiu pelo selo Little Village de Jim Pugh que, para quem não se lembra, tecladista nos melhores discos de Robert Cray.
O álbum faz uma fusão do blues com a música de Bollywood, ressaltando que Kumar se considera um músico de blues, não um cantor de Bollywood.
De estilo eclético, se apresenta em duo em algumas ocasiões, acompanhado pelo guitarrista Little Johnny Lawton, mas na maioria dos shows conta com o seu quarteto, o Aki Kumar Blues Band.
Além de ser músico de estúdio requisitado, o dinâmico vocalista e gaitista vem aos poucos consolidando sua ascensão entre a nova geração de artistas do blues amplificado da Califórnia, tendo herdado seu estilo das lendas da gaita dos anos 50 e 60. Sua voz úncia mistura elementos de Blues tradicional com o som indiano.
Essa entrevista merece alguns agradecimentos. Primeiro ao Marcelo Naves por ter me oferecido a produção desse show. Parceria e honestidade sempre. E a Jamir Lopes e Denise Covas por me convidarem a fazer parte do Santos Jazz como assessor de imprensa e eventualmente aceitando algumas das minhas sugestões de show.
Eugênio Martins Júnior - Quando você chegou aos Estados Unidos? Foi com o objetivo de estudar, não é verdade?
Aki Kumar – Sim. Na Índia eu era viciado em programas de computador então decidi dar um gás na minha carreira. Fui incentivado pelo meu irmão mais velho que já estava nos Estados Unidos há alguns anos. Cheguei em 1998 para estudar engenharia da computação.
EM – Quando você chegou foi morar direto com o teu irmão?
AK – Morei com ele por um ano depois mudei pra outra cidade.
EM – Você conseguiu trabalhar com os computadores?
AK – Sim, por onze anos. Era engenheiro de software em San Jose. Nesse meio tempo conheci a cena blues local e comecei a ouvir aquela coisa. Na Índia eu tinha uma harmônica barata que meu pai costumava tocar, mas quando ouvi uma sendo usada no blues achei muito legal. Achei que poderia fazer aquilo e conheci um grande professor para me dar aulas, David Barret, que me deu uma direção no blues.
EM – Até então você não havia escutado blues e nunca tinha tocado nenhum instrumento?
AK – Aos oito anos havia estudado um pouco de música indiana. Tocava teclado, que até tem um pouco de relação com a harmônica, mas na época eu não sabia. No mundo da música há instrumentos relativos.
EM – Nunca tocou blues?
AK – Nem sabia que o blues existia. Quando era adolescente ouvia muito pop contemporâneo, assistia a MTV, mas não ouvia blues.
EM – Quando foi que você ouviu o blues pela primeira vez?
AK – Foi ouvindo rock and roll. Quando mudei para os Estados Unidos achei algumas rádios que tocavam músicas antigas. Rock and roll dos anos 50 e 60 e ouvi muita coisa. Buddy Holy, Chuck Berry, Beatles, Fats Domino, gostei disso na hora. Claro, isso não é blues, mas veio dele. Foi como uma viagem. Tive uma surpresa quando assisti meu primeiro show de blues na costa oeste com o grande gaitista Mark Hummel. É um grande artista da harmônica moderna e fui recomendado pelo meu professor. Ele é fantástico, tem um timbre encorpado, grandes shuffles, e tocou por quatro horas. Me lembro de tudo muito bem. Esse show me influenciou muito. É importante manter os ouvidos e mente abertos.
EM – Qual dos dois paga melhor, blues ou computadores?
AK – O que você acha? (risos). Eu sei, foi uma decisão difícil parar com uma carreira. Muitas pessoas se deixam levar pela segurança de um emprego, um bom salário proporciona o conforto necessário. Mas sou um afortunado em ter colocado a música na minha vida e estar ativo na cena blues da Califórnia. Toco quase todas as noites pra ganhar a vida e minha esposa me apoia. Ela teve muita compreensão quando fiz essa transição.
EM – O que ela disse quando você comunicou que ia largar tudo para tocar blues?
AK – Ela não entendeu imediatamente. Quando ela percebeu eu já estava muito focado nisso.
EM – Existem mais diferenças ou similaridades entre o blues e música indiana? Você acabou achando um jeito de misturar as duas, não é verdade?
AK – São dois tipos de música com formas diferentes, mas há algumas similaridades. E foi um processo. Algumas músicas dos filmes de Bollywood foram influenciadas pela música americana. Algumas das grandes canções indianas são as folclóricas que, como o blues, são músicas populares. Com as pessoas contando suas histórias. Acho que a música indiana tem alguns grooves e ritmos parecidos com o blues.
EM – Não sei se você sabe, mas nós também temos muitos ritmos nas diferentes regiões do país.
AK – Acho que o Brasil é um dos países no mundo com a maior diversidade cultural. Tanto na música étnica, quanto na cozinha. Fiquei muito feliz em poder explorar essa diversidade musical.
EM – Muitos gaitistas têm vindo ao Brasil.
AK – Sim, tenho dois amigos que vieram e ficaram fãs da música brasileira. Espero passar as próximas três semanas aprendendo sobre a música brasileira. Quem sabe eu não misture o blues com a música brasileira no próximo disco (risos).
EM – E o blues brasileiro, você conhece?
AK - Tenho visto muita gente fazendo blues no Brasil. Muita coisa está sendo descoberta pela nova geração da internet. Artistas clássicos blues da Louisiana, do Delta, Chicago, West Coast. Todos podem ouvir de tudo todo o tempo e quem tiver motivação, talento pode se dar bem. Veja o Marcelo (Naves), ele vive no Brasil e toca como se vivesse na costa oeste. O mundo ficou pequeno.
EM – A internet quebrou as barreiras de tempo e espaço.
AK – Sim, isso é muito bem vindo. Veja, sou um cara de Mumbai, que vive na Califórnia tocando música americana no Brasil. É o novo mundo.
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