domingo, 12 de janeiro de 2014

A linhagem de Michael Dotson é a dos guitarristas puro sangue de Chicago


Texto e fotos: Eugênio Martins Júnior

Michael Dotson é um homem maduro e músico calejado. Por isso não pega bem dizer que ele faz parte da nova geração do blues.
No entanto, poucas pessoas ouviram falar de seu nome por aqui. Só mesmo os iniciados conheciam o guitarrista, cantor e compositor de Chicago de pegada forte, mas elegante, quando esteve na oitava edição do festival Ilha Blues, em Ilha Comprida, litoral sul de São Paulo.
Dotson começou cedo. Seu primeiro contato com o blues foi no final dos anos 60, após assistir o velho Muddy Waters em um restaurante. O objetivo do show? Arrecadar fundos para a campanha de um político local.
Seus primeiros instrumentos foram a clarineta e o saxofone, mas aos 16 anos já podia ser encontrado tocando guitarra nas espeluncas de Chicago, onde foi profundamente influenciado por Otis Rush, Buddy Guy, Magic Slim, Junior Wells e Lefty Dizz.
No grupo de Magic Slim tocou por seis anos. A lista de participações em bandas de outros artistas do blues inclui ainda Aron Burton, George Baze, Liz Mandevile, Big Time Sarah, Little Mac Simmons, Jimmy Burns, Willie Kent, Big Jack Johnson, Billy Boy Arnold e Homesick James.
Estiveram ainda em Ilha Comprida, a lenda da harmônica James Cotton, o guitarristas Lurrie Bell e Eddie Taylor Jr, os tecladitas brasileiros Ari Borger e Adriano Grineberg, os gaitistas Big Chico e Jefferson Gonçalves, e os guitarristas Nuno Mindelis e Artur Menezes. Um verdadeira pajelança.
Essa entrevista só foi possível após a intervenção do produtor Adrian Flores, que agradeço aqui. Também ao produtor do festival, Oda Gomes, que me permitiu livre acesso aos artistas.



Eugênio Martins Júnior – Quando foi a primeira vez que você ouviu o blues?
Michael Dotson –
Provavelmente foi em uma arrecadação de fundos para campanha eleitoral no final dos anos 60, era o Muddy Waters que estava tocando. Eu tinha 10 ou 11 anos e não sabia o que era o blues, mas o engraçado é que eu já conhecia Buddy Guy, ele estava sempre pela vizinhança.

EM – O show foi no mesmo palanque em que o político faria o discurso?
MD –
Não era num palco, era um restaurante em Chicago. Eles alugaram o espaço e serviram um jantar às pessoas que pagaram um bom dinheiro e o político estava lá tentando se eleger.

EM – Você faz um som vigoroso, bem ligado a nossa época. Como você faz a conexão entre a tradição do blues e a modernidade?
MD –
Bem, não faço parte de uma nova cena. Pra mim é a mesma coisa. Voltando aos anos 60, especialmente aos pequenos clubes, os músicos se apresentavam de maneira selvagem. Tocavam alto e de forma selvagem. As pessoas bebiam muito, dançavam e enlouqueciam. Parecia rock and roll, mas não era. Era uma coisa que veio antes. Caras como Buddy Guy, Otis Rush e outros faziam isso. Podemos dizer que era um blues rock, mas pra mim é tudo a mesma coisa. Também gosto de country blues. Costumo dizer que o que eu faço é “houserocking music”. Musica para dançar, beber e se divertir.


EM – Uma pergunta que sempre faço quando me deparo com um artista que vem da grande cidade de Chicago é: Em seu ponto de vista, qual é a importância do blues para a cultura americana?
MD –
Bem, musicalmente e de outras formas, é a raiz de tudo. É uma música folclórica, mas expressa não apenas a tristeza ou insatisfação, mas também a felicidade e o desafio, você me entende? “As coisas estão indo uma merda pra mim agora, mas daqui pra frente tudo vai ficar legal e nada vai me parar”. Tenho uma teoria, o rock and roll, que nasceu do blues, está morto. Pra mim ele está morto realmente. E quanto mais ele se distancia do blues, mais ele desaparece. E o blues é eterno.

EM – O blues continua.
MD
– Sim, é a raiz.

EM – Uma vez Rod Piazza me disse que o blues era a música do banco de trás (backseat music) e que ela nunca seria a música da corrente principal (mainstrean), mas está sempre presente.
MD –
Não chamaria de música do banco de trás, mas de música folclórica. Quanto mais a vida muda, talvez para pior, a tensão pode te deixar louco e aí você vai precisar de uma coisa sólida e contínua e o blues é assim. Porque é uma expressão humana. Ele trata de todas as emoções que você passa na vida.

EM – Você conhece a música brasileira como o samba, o nosso blues?
MD –
Acredito que tenha ouvido algum samba, mas não sei identificar.


EM – Antes de tocar aqui você sabia que no Brasil existe uma cena de blues? E que muitos músicos vão regularmente tocar em Chicago e passar algum tempo aprendendo com os músicos de lá?
MD –
Sim, já ouvi falar nisso. Mas não posso dizer que conheço profundamente.

EM – O que você acha deles. Soam estranho para você que é de lá?
MD –
Não soam estranho. O blues é igual em todos os lugares, aqui ou no Japão.  

EM – Que equipamento você usa no palco?
MD –
Prefiro as telecasters com captadores single coil e em Chicago costumo usar amplificadores Super River. Que pra mim fazem o melhor som com as teles. Mas na estrada costumo usar os Fenders Twin.

EM – Quais as diferenças entre ser sideman e agora ter a sua própria banda?  
MD –
Ainda trabalho como sideman. Costumo tocar com a banda Mississippi Heat. Bem, acho que a diferença está na forma como você se expressa. Como sideman você é apenas mais um em cima do palco, você só precisa ficar na sua. Às vezes, se você aparece mais do que o artista principal pode rolar ciúme, especialmente sendo guitarrista. Quando está à frente de uma banda, você tem de ser um entertainer, mas não é fácil, você tem de aprender como fazer.

EM – Qual foi a lição mais importante que você aprendeu com o blues?
MD –
Acho que é o contato com as pessoas. Eu era tímido, honestamente ainda sou, mas estar no palco é uma relação diferente. Gosto de festejar com as pessoas. Fazê-las sentir-se bem.

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