Fotos: Divulgação
A experiência de anos tocando blues como sideman do gaitista Ivan Márcio deu régua e compasso para o guitarrista Gilberto Moufarrege. Ele se tornou o personagem Giba Byblos, amante de sapatos de duas cores e sapatos de couro de cobra. Às vezes calças e paletós vermelhos. Sempre, guitarras vermelhas. Na aparência, um gangster do blues.
Mas tudo isso faz parte de uma estética engendrada para entreter a audiência. Tudo faz parte do show. Característica do blues relegada ao segundo plano, mas que os mestres B.B. King e Buddy Guy nunca deixaram de lado.
Hoje o blues é apresentado nas grandes cidades e casas noturnas e quem vai a um show desses quer se divertir e dançar. Música boa para os ouvidos e para os quadris. Esqueçam as plantações e as chain gangs.
Seu disco se chama My Duty e o show se chama Talking ‘Bout Chicago (Falando Sobre Chicago). Um projeto criado por Giba que reúne todo o mise em scéne da cidade conhecida como a capital do blues mundial: figurino, linguagem, guitarra tocada no meio da platéia, guitarra tocada nas costas como T Bone Walker. "Falar sobre Chicago é falar sobre entretenimento", segundo Giba.
Além do show cheio de bom humor e malícia, Giba lançou no final de 2011 um dos discos de blues mais legais já lançados no Brasil.
My Duty, cuja produção de Ivan Márcio reforça a parceria com seu mais antigo colaborador, traz novas perspectivas ao gênero no Brasil. Até então, o blues feito no terra de Pixinguinha era sisudo, salvo algumas exceções: André Christovam e Blues Etílicos.
O tema My Duty começa com uma introdução chic, um blues nervoso composto pelo próprio e vem com uma letra sacana. Junior Bought Me a Jim é uma grande sacada. Conta uma passagem mais do que inusitada de envolvendo Giba, Sugar Blue e a lenda Junior Wells - confira toda história nessa entrevista - No mais, Giba recria temas clássicos sob sua ótica.
Numa tacada de mestre, a qual eu me incluo na condição de produtor, acompanhamos a cantora Shirley King em sua turnê brasileira. A Lucas Shows e os músicos Julio Cesar Scansani (bateria) e Vagner Dantas (baixo), também são protagonistas nessa história.
Aproveitando que hoje é aniversário de Gilberto Moufarrege, segue entrevista. Realizada em uma manhã de janeiro em São Paulo, com a participação de Ivan Márcio, o que me rendeu um aluguel desgraçado dos dois caras que, quando estão juntos, parecem dois adolescentes.
E já ia esquecendo, o CD My Duty saiu pelo selo Chico Blues e pode ser encontrado nos respectivos sites, nas melhores casas do ramo e nas barraquinhas de CD lá da rua 25 de Março... ao lado dos CDs do Ivan Márcio.
Eugênio Martins Júnior - Como você chegou à guitarra?
Giba
Byblos –
Comecei na época do Rock In Rio. Não, mentira, foi quando o Kiss veio ao
Brasil. Acho que em 1983. Eu queria ser baixista porque achava o Gene Simmons
legal. Tinha onze anos. Mas a idéia não durou muito, porque comecei a prestar a
atenção e vi que o comportamento dos guitarristas era mais legal e faziam mais
barulho, aí comecei a pensar em guitarra. Comecei a infernizar o meu pai e a
minha mãe. Meu pai, bem democrático, largou a responsabilidade para a minha mãe.
Essa briga durou um ano até eu conseguir ganhar uma guitarra. Ela não queria me
dar porque sabia o que ia acontecer, tanto que me ofereceu uma vitrola (risos).
Pensando bem, o negócio foi planejado, eles me deram uma guitarra sem
amplificador. E o que aconteceu? Comecei a ligar a guitarra na vitrola da sala
e começou a estragar o negócio. Aí comecei a ficar esperto. Eles me perguntavam
o que eu queria ganhar de aniversário e eu pedia dinheiro. Comprei um
amplificador. O amor pela guitarra foi institucionalizado pelo Rock In Rio que
veio na sequência.
EM – Então você começou tocando Rock?
GB
–
Não tinha como não tocar rock. O ambiente de escola era só metal. Na mesma
época, tenho família que mora nos Estados Unidos, e umas tias me trouxeram
discos dos Rolling Stones. Aí comecei a ouvir aquelas coisas incansavelmente e
as músicas que eu mais repetia eram os covers de blues. Meu pai também sempre
viajou bastante e sempre ia na Tower Records de Nova York, onde fez amizade com
o vendedor . Então ele pedia os discos dos caras que tocavam aqueles blues que
os Stones tocavam. O cara fazia uma seleção do que eu queria e ia mandando mais
coisas da cabeça dele.
EM – Foi assim que o blues entrou na tua vida? E o que veio nessa leva?
EM
– Guitarra e gaita formam a dupla de blues perfeita. Você e o Ivan são uma boa
dupla. Como começou essa parceria?
GB
–
Conhecia o Ivan de vista, da capa do CD da Mojo e da internet, não conhecia
pessoalmente. Quando comecei a tocar no Bar Anhanguera eu fazia com a Rufus The
Band e o Ivan fazia com a Prado (Blues Band). Nos conhecemos no bar, um dia
faltou um guitarrista e ele entrou com a gaita. Foi em 2006. Eu havia acabado
de comprar uma (Fender) Jaguar, lembra Ivan? O Ivan sempre me convidava pra ir
à sua casa e um dia eu fui, demorou dois anos. Fizemos um som no estúdio dele e
ele me convidou pra substituir o Igor em uma casa nova. O que foi mesmo Ivan? Ivan Márcio – A gente tocava todos os sábados no Anhanguera, mas o Igor estava com um show marcado na Europa e rolou de a gente tocar juntos.
EM – Ivan, você já estava fora da Prado?
IM
–
Nessa época eu já estava fora. Na verdade eu experimentei várias formações de
banda solo até chegar nessa. Casava o baterista, mas a guitarra não rolava.
Casava o baixo... o time não estava coeso. A gaita e a guitarra são
importantes, mas a gente é muito dependente em ter um bom baterista. Aí quando
achava um bom, era a guitarra que não segurava a onda. Tinha que pensar as
frases do gaitista, a dinâmica.
GB – Justamente nessa dinâmica é que eu acho que deu certo. Pelo respeito do espaço de um e de outro e pelo clima que a gente acaba criando no palco. A gente meio que sacaneia um ao outro e tal.
EM – Acho que ninguém toca blues com esse bom humor que vocês fazem no Brasil. Levam isso para o palco. Pergunte ao B.B. King ele próprio vai dizer que o blues não é só tristeza.
GB
–
Olha, eu nunca vi ninguém fazer isso. Acho que isso vem de uma admiração mútua,
da amizade e de conhecer o jeito que
o outro toca. Por exemplo, eu fico fazendo frases de gaita na guitarra para
sacanear o Ivan. Depois ele vai e faz um fraseado super longo na gaita, até a
memória do guitarrista falhar. Ou seja, cada show a gente cria uma micagem
nova.
EM – Mas vocês pensaram em fazer dessa forma ou aconteceu naturalmente?
GB
–
Quando estamos juntos, falamos 20% de música e 80% o resto das coisas. E nas
outras coisas entra tudo quanto é palhaçada que a gente já viu, de Costinha a
Trapalhões. A gente não é amigo só por causa da música. É humor, a gente viveu
na mesma época e gosta de falar besteira.
IM – Por mais que a gente toque música própria, a gente não viveu o blues como ele é. Nós somos intérpretes do negócio. Tentamos contar a história, mas não de uma forma sofrida, então a gente transforma isso em algo divertido.
GB – No começo
da conversa você falou em Buddy Guy e Junior Wells. Você não vê um show deles apresentando
um clima sofrido. Os caras colocavam o máximo de energia em cima do palco e a
interação de um com o outro fazia a alegria do público. Essa é a nossa origem
musical, juntando um guitarrista não dá pra deixar por menos. É a filosofia do
“entertainment”.
GB
–
A preparação foi longa. O Ivan foi o primeiro cara do meio que me levou a
sério. Na época que eu ensaiava com a Rufus, o Ivan freqüentava o mesmo estúdio
e se ofereceu pra produzir aquele trabalho. Na época eu não tinha um foco tão
pragmático, tão profissional. E ele começou a dar as opiniões que bom produtor
daria. A banda não absorveu muito bem a idéia, mas eu guardei do lado esquerdo
do peito. No final das contas a banda acabou “desbandando”, mas a idéia estava
bem guardada. Voltei a tocar com o The King Sizes e foi quando eu trouxe à tona
a idéia de o Ivan produzir. Começou a gravação no Edu Gomes em formato de
banda, mas terminou em formato solo.
O Ivan fez o meio de campo e indicou o
Cakewalking Studio, do Edu Gomes. No primeiro encontro com o Edu, ele chegou
dizendo que nas gravações do Freddie King, a mão que atacava as cordas da
guitarra era microfonada. Pô, eu pensei "esse é o cara". Ele não
cuidou só da técnica, deu dicas valiosíssimas durante todo o processo e
liberdade pro Ivan operar a mesa. E isso foi muito importante, o Ivan conhece
meus gostos, sabe do meu preciosismo. Os solos foram gravados com as minhas
"Cleopatras" ES 355 e ES 345. Esse é o nome de batismo de todas as
minhas semi-acústicas Gibson, que, aliás, são quase da mesma cor, apenas tons
diferentes de vermelho. Amo. Todas são do meu harém (risos). O amp, ainda pros
solos, foi um Fender Princeton Reverb Silver Face '78, no volume 6, com o grave
no zero e agudos no 10. Para as bases usei uma ES 335 sólida, plugada no meu
velho Fender Bassman Blackface '67 falando através de um gabinete de Fender Tremolux,
com dois falantes de 10".
EM – Gravar depois de todo mundo tem lá suas vantagens. Isso permitiu a você imprimir personalidade ao teu trabalho. A foto da capa é bem produzida, e além de bem humoradas, as tuas letras são bem estruturadas. Gostaria que falasse um pouco sobre isso.
GB
– Olha,
nada foi pensado. Fui montando esse personagem da forma com a qual me sentia
bem tocando. Aí eu fui percebendo que quanto eu mais colocava esse tipo de
roupa, mais a minha performance no palco ficava mais agradável e confortável. E
isso eu passo para o público. Quanto mais eu coloco esses elementos, mais legal
o personagem vai ficando. O B.B. king falou, o público que vem te assistir
espera você bem vestido em cima do palco. Essa frase pra mim é importante. E
também a frase do Les Paul que desenhou a (guitarra Gibson) Black Beauty
imaginando um músico bem vestido, tocando com uma guitarra muito bonita em cima
do palco. Eu tenho isso na cabeça, pode ver que as minhas guitarras têm
praticamente a mesma cor e isso reflete na escolha da vestimenta.
EM – E o time, como você escolheu?
GB
–
Era a banda que eu fazia parte, o The King Sizers. Somos todos amigos. Com o
baterista Hamilton Godói toco dede 2002, quando a banda ainda se chamava
Patchwork. O baixista Fábio Basili também é dessa época. Ele também toca com o
Ivan. O Sérgio Lopes que era o tecladista e o P.S. Malaman, outro amigo meu. Só
que o P.S. e o Sergião resolveram cair fora. Daí eu resolvi fazer a maioria das
bases e incluir outro amigo de infância, o Ricardo Ivanov, para fazer a base em
duas faixas que foram a Goin Down e Big Leg Woman. Ele trabalha muito bem
com o (pedal) wah wah e eu não sei nem ligar direito. No teclado acabei ficando
com o meu “brimo” André Youssef. A gaita em Bad Boy, lógico, o bad boy Ivan
Márcio.
EM – Junior Bought Me a Jim tem uma gaita no estilo Junior Wells, foi o Ivan que tocou?
GB
–
Não esse é um amigo nosso, o Alex.
IM – A gente queria mesmo esse espírito. A idéia não era por gaita no disco o tempo todo. Bad Boy foi uma música que a gente tocou de primeira e casou. Agora Junior Bought Me a Jim, além de o Alex ser nosso amigo e nós o chamamos de Al Slim, ele tem esse carinho por Juinor Wells, James Cotton e Walter Horton, a santíssima trindade, e aceitou o desafio. Eu não consigo imaginar outro gaitista pra reproduzir o som que a gente estava querendo naquele momento.
GB – É, a gaita
limpa. Ele está sempre querendo se superar. E foi ele quem fez as fotos com o
Caio. Tem um amigo que eu inclui em um
blues, ele divide a letra comigo em The Landlady. O Homesick Hames mora em Beirute. Ele gravou o primeiro
solo e a gente divide a autoria da música. O Daniel Correia e o André Calixto
fizeram a parte de metais da Goin Down.
IM – O Calixto e o Correia são músicos da cena da música popular brasileira e do blues do ABC. O André Calixto já foi membro da Prado Blues Band e é um cara muito disciplinado. Você pede uma linha mais enxuta e tal e ele vai lá e faz. O Correia é parceiro e é um dos melhores trombonistas que eu já ouvi. Pelos menos no grande ABC e em São Paulo.
GB – O Calixto não é só disciplinado, ele é venenoso. E eu gosto de nego venenoso tocando comigo (risos).
GB
–
“My duty is to please your boot…” estava tocando sozinho em casa, brincando com
John Lee Hooker, e estava passando o filme Shaft na TV. Não sei em qual parte
ele diz essa frase pra namorada. Eu fui correndo pro quarto e escrevi essa
música baseada nisso: “You say I’m under your boot baby, oohhh I wanna make you
feel, you got’damn right”. Because my
duty is to pleeease your butt. E butt, como você sabe, não significa bota. É a malícia do
blues, a malícia do John Lee Hooker e eu sou um fã dele e isso foi um tributo, com
o gancho da frase do Shaft.
Mas é realmente Meu Dever dar o melhor de mim mesmo pra levar o Blues adiante. Está
morrendo, realmente. Mas eu faço a minha parte, that's My Duty man!
EM
– Também tem uma forte influência do Freddie King.
GB
– Ahh,
Freddie King é descarado. Essa parte voltada a ele, embora eu ouça muitos
bluesmen, ele é o cara que eu me encaixei. Não sei, tudo o que eu faço tem o
acento do Freddie King. Há muitos anos eu mandei um e-mail ao Nuno Mindelis de
uma gravação que tínhamos feito, acho que foi em 2002. O Nuno disse que estava
legal, que havia gostado, e tinha potencial, mas me deu um conselho: “Copia o
seu artista preferido. Essa é a filigrana do negócio”. Palavra que eu aprendi
com o Nuno, Filigrana. E o cara que eu escolhi pra estudar nos mínimos detalhes
foi o Freddie King.
GB
–
Minha família migrou do Líbano nos anos 70 e 30% veio pra cá e 70 foi para os
Estados Unidos. E a gente sempre teve esse intercâmbio com a família e eles não
iam aprender a falar português, então eu aprendi a falar inglês.
EM – Você trabalha
com construção, como faz pra conciliar essa atividade com a música?
GB – Tenho dois
sócios que são amigos de infância. Eles sempre me acompanharam desde que eu
comecei a tocar e gostam de música, gostam de blues e a gente concilia sempre
da melhor forma possível. Até hoje tudo deu certo. A gente está trabalhando
junto desde 1997 e a música nunca foi um problema na sociedade e nunca vai ser.
EM – Conta a
história de Junior Bought Me a Jim.
GB
–
As letras foram coletadas ao longo do tempo. Junior Bought Me a Jim fiz em 1994. Partiu de um show com o Junior
Wells lá no Bourbon. O fato aconteceu dois anos antes, no show do Sugar Blue. O
Sugar me perguntou se eu tinha alguma sugestão de música e pedi Junior Wells. O
Sugar Blue olhou pra mim de cima do palco e puto da vida me disse: “Ask when he
comes”. (risos). Fiquei com uma cara de banana o resto do show inteiro. Aí eu
pensei: “Um dia eu vou contar isso ao Junior Wells”. O Junior Wells veio ao
Brasil e eu louco pra contar a história. Ele descia do palco um monte de vezes
e em uma dessas vezes ele foi até o bar e eu contei. Ele deu uma risada, sacou
cinco dólares do bolso, chamou o barman e mandou me dar um Jim Bean. E ainda
falou; “Sugar is a good boy”. Não poderia falar outra coisa.
EM
– Você é empresário e deve planejar as ações de sua empresa. E como blueseiro
brasileiro, faz planos? Ou é só deixa a vida me levar?
GB
–
Esse disco começou a ser gravado em 2010.
Ficou um ano e meio na gestação. Quero divulgar esse trabalho. Tenho uma
idéia de fazer um show não somente em cima do CD, mas um show dedicado ao
Chicago Blues. Falar: “Talking’ Bout Chicago”. Mostrar o que rola por lá, da
maneira que rola. Com o tipo de vestimenta, interação com o público, ser um
entertainer. Uma coisa que achei importante com a Shirley King é que ela estava
mais preocupada em entreter o público, chegando às vezes até o limite, do que
preocupada com preciosismos.
Chicago é o ponto final da trilha do
blues. É onde ele definitivamente assume um de seus papéis, o de música para
dançar. Onde ele se desdobra em soul e funk. Onde ele chega a extremos de ser
tocado com a guitarra nas costas como T-Bone Walker, andando no meio da platéia
como Guitar Slim ou até caído no chão, esperneando como Eddie Kirkland. Falar
de Chicago é falar de entretenimento, em diversão, em roupas extravagantes.
Falar de Chicago é mostrar as cores do blues, ou melhor, absolutamente todas.
Talking 'Bout Chicago, it's my home!
Adorei ouvi-los...você tem dois gaitistas???é tudo de bom pra esse gênero
ResponderExcluirParabéns deu pra eu ouvir até o fim!!
Tem musicas que a gente não consegue ouvir uma linha..muito bom mesmo!!!
Olá Beth,com o Giba e com o Ivan você sempre ouvirá boa música. Abraço.
ResponderExcluirmaravilha de entrevista e My Duty realmente é um discão obrigatório.
ResponderExcluirsucesso ao Giba Byblos!
abs,