quarta-feira, 3 de março de 2010
Luiz Melodia reencontra a periferia
Texto: Eugênio Martins Júnior
Foto: divulgação
Mais uma entrevista realizada e não publicada. Pelo menos até agora. O bom é que a internet resgata esses momentos junto ao artista. E sem preocupação com o espaço.
Dessa vez a conversa foi com Luiz Melodia, em 16 de maio de 2009, minutos antes do “negro gato” pisar no palco do Sesc Santos, acompanhado pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis, dentro do projeto Som em Sintonia.
Três dias depois tive a oportunidade de assistir ao mesmo show, ao ar livre, no Parque Tupiniquins, centro de Bertioga, clima ótimo e gente educada.
No repertório, os clássicos de Melodia: Pérola Negra, Magrelinha, Estácio Holly Estácio, Juventude Transviada, Congênito e outras. Também Codinome Beija- Flor (Cazuza, Ezequiel Neves e Reinaldo Arias) e Diz Que Fui Por Ai (Zé Keti e Hortêncio Rocha). A Orquestra abriu com Ruslan e Ludmila (Mikhail Glinka), O Morcego e Marcha Radestzky (Johann Strauss). A regência foi de Edilson Ventureli.
Eugênio Martins Júnior: Como você se engajou nesse projeto?
Luiz Melodia: Ligaram para o escritório da minha empresária no Rio, que é a minha mulher, falando a respeito disso e eu fiquei interessado, achei bacana, até pelo motivo, por ser uma garotada de periferia, um bairro humilde como Heliópolis, ter tudo a ver assim comigo. Também sou cria de um lugar simples e tal, então toda essa situação me comoveu bastante e também o fato de ser uma experiência legal, de você poder tocar com uma garotada que está começando e que pouco teve oportunidade na vida, está tendo agora, musicalmente falando. Falei: “Ahh, vamos fazer, sim”.
Eu vejo a vontade dos meninos, talvez até pelo fato de ser um artista conhecido e tal. Acho que dá mais um ânimo, observar durante o show aquela vontade, aquele brilho no rosto de cada um, isso é muito bacana.
EM: E como foi a escolha do repertório?
LM: Não houve dificuldade, até porque o maestro deu umas dicas, mas ele perguntou se eu não cantaria umas músicas como Magrelinha, uns clássicos, e eu achei maravilha, ainda mais com orquestra. Depois fui selecionando em casa com Jane, minha mulher, o Renato Piau, um músico que trabalha comigo também deu algumas idéias. Fomos juntando até que chegou a 14 músicas. No repertório tem Farrapo Humano, Juventude Transviada, Perola Negra e outros clássicos.
EM: Em todos esses anos de carreira, os quais você já gravou Zé Kéti, Cartola, Cazuza, o que falta fazer? O que acontece na cabeça do artista quando chega nessa época da carreira?
LM: É muito difícil de falar isso pra você, até porque sou muito inquieto, então não posso dizer o que vai acontecer daqui em diante, mas novidades sempre irão acontecer.
EM: Novidade sempre há de pintar por aí?
LM: (risos) É, há de ver que agora o Caetano está tocando com a juventude nesse novo disco. Então, quanto mais você revirar essa vida de cabeça pra baixo, mais encontra coisa. Em breve, acredito que vá acontecer algo, que eu não sei dizer o que é, mas vai ser importante e interessante (risos).
EM: Você é do morro, sempre misturou samba com MPB, e hoje existe uma juventude que mistura diversos elementos ao samba. Desde aqueles que colocaram baixo, bateria, teclado, até os que misturam rap, como o Marcelo D2. Na sua visão qual é o futuro do samba?
LM: Ahh rapaz, se eu soubesse do futuro! Têm os encontros musicais que, sendo bem feitos, geram resultados legais. Até porque música, creio eu, é cabível dentro de um ritmo junto com outro. E não é se aproveitar de momentos, como estamos vendo agora, essa fusão que está acontecendo em quantidade, pensando comercialmente, acho que aí não leva a lugar nenhum. Mas você fazer experiências. Acho que sempre vai ter uma juventude com esse intuito de recriar e de refazer, né? Mas eu acho que o povo brasileiro sempre foi capaz disso, até pela nossa miscigenação.
EM: Uma vez perguntei ao guitarrista de blues Nuno Mindelis o que ele achava das misturas que alguns músicos brasileiros fazem do blues com música nordestina. Ele respondeu que pra quebrar as regras os caras têm de conhecer as regras. Achei uma colocação bem interessante, que pode se aplicar também ao samba, não é verdade?
LM: Logicamente que a raiz do samba é o tambor, mas a gente não pode esquecer que há uma juventude querendo fazer coisas. Jamais vou querer intimidá-los a não fazer, prefiro ver o resultado. Acredito que mesmo que você use esse ou aquele instrumento, tem de ser bem feito, bem relacionado. Pra ter um resultado positivo.
EM: Qual a tua lembrança mais remota de estar envolvido com o samba?
LM: Lembro que, muito jovem, minha mãe levava a gente ao Jacarezinho, que é o bairro onde minha avó morava lá no Rio de Janeiro. Todos os finais de semana. Lembro que aos 12 anos minha mãe nos deixava, ai à noite eu ia pra escola de samba chamada Não tem Mosquito, não tenho certeza se era escola ou bloco, então ali eu já tive o primeiro contato com os sambas, que naquela época eram geniais. Não estou dizendo que não tem agora, mas bem poucos diante do que eu ouvia. Sambas feitos com o coração, bem pensados, sem intuito comercial. Essa era a minha informação.
EM: E os outros estilos?
LM: O rádio teve a maior importância na minha vida, porque eu ouvia de Jackson do Pandeiro a Luiz Gonzaga. Os amigos até tiravam onda com a minha cara: “Pô, ouvindo esses paraíbas!!”. Era um preconceito horroroso, mas eu não me importava por que o lance musical ultrapassava qualquer barreira. Ouvia iê iê iê, os Beatles, e era uma salada musical, né? Jamelão, Ângela Maria, Zé Kéti, Emilinha Borba, que na época de carnaval só tocava ela. Tinha também a Dalva de Oliveira, Blackout, que eram caras que mandavam nos carnavais antigos. Toda essa informação eu tive.
EM: E atualmente, o que você escuta?
LM: Continuo nas antigas, por exemplo, Jamelão, Elza Soares. Mas fora isso, gosto muito da Adriana Calcanhoto, Céu, Roberta Sá, não que eu tenha o CD, mas tenho ouvido, na internet. (risos). De vez em quando eu vou lá que é bem mais fácil do que sair e pegar um CD. (risos)
EM: Eu ainda tenho a minha coleção de LPs que não me desfaço e minha pick up que é maravilhosa.
LM: Eu também tenho a minha pick up e não me desfaço dos discos. Na verdade é muita preguiça. Mas você tem de saber usar a internet. Até porque está aí.
EM: Não prejudica a venda de discos do artista?
LM: Não, acho que é só saber se relacionar com a novidade. A gente tem de dar um passo adiante, porque as coisas estão presentes. Até alguns anos atrás era radiola, então você tinha de pegar seu disco e colocar na radiola, ou vitrola que era 78 rotações. As coisas vão mudando, veio o gravador de K-7.
EM: Mesmo assim o cara tinha de comprar a obra do artista, hoje não.
LM: Mas tem de conviver com isso, como é que vai parar? Já existia o pirata. Tem de achar um jeito que possa todo mundo ganhar com isso. Pelo menos você vê que todo mundo está na mídia. Desde o nordestino que alguns anos atrás era barrado, era excluído. Na verdade o forró sempre vendeu disco absurdamente. Agora os artistas que viviam de venda têm de sair pra trabalhar e fazer seus shows. Agora é a hora da verdade. Se você realmente é o cara, você vai ter o resultado nos shows. Eu sempre acreditei em shows. Sempre acreditei no meu trabalho, nunca baixei a cabeça pra gravadora, deixei que ela me influenciasse a ponto de algum “fodão” daqueles dissesse; “Olha, agora tu vai fazer um disco assim. Vai gravar isso”. Sempre tive essa opinião. É assim que você faz com que respeitem seu trabalho. Nunca tive mega produções ou mídia, mas estou a muito tempo na música e posso dizer a você que estou bem. Bem de cabeça.
EM: É o retrato do artista enquanto coisa. É tudo isso.
LM: (risos) Pois é, resume-se nisso.
EM: Falando em disco, o que vem por aí?
LM: Por enquanto tenho viajado só por conta do Estação Melodia, que é o trabalho mais recente. Uma homenagem que fiz aos compositores que marcaram muito a minha vida, até porque ouvia meu pai cantarolando. Jamelão e outros que ele me apresentou. São músicas que eu cantarolava e nunca tive oportunidade de gravar. Esse disco está rendendo muitos frutos, acabei de fazer um show no Teatro Tom Jobim. Por enquanto estou pensando só nisso.
EM: Qual o principal cuidado quando você grava um clássico desses?
LM: Procuro cantar à minha maneira, mas com o maior respeito logicamente. Mas, o Luiz Melodia. Inclusive há músicas que a gente acaba personalizando devido à maneira como interpreto. Procuro interpretar de uma maneira que, quando ouçam, saibam quem é que está cantando. Essa é minha grande satisfação.
EM: Qual é a tua participação no documentário sobre a sua vida? Aparece você voltando aos lugares da tua infância?
LM: Exatamente. Tem também uma parte de ficção que sou eu quando garoto. Misturado com shows, depoimentos de artistas, personalidades da música, amigos íntimos. Registramos algumas coisas no São Carlos, Estácio, onde eu nasci. Ainda está rolando, está faltando grana, não é fácil. Cinema já é outra coisa. Está andando, o que pega é a grana que ainda está pouca (risos). Mas aos poucos a gente chega lá.
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