Texto: Eugênio Martins Júnior
Fotos: Leandro Amaral
Peter Madcat Ruth cresceu em Chicago, o que lhe garantiu o background necessário para explorar diferentes estilos dentro do blues. Foi influenciado pelos grandes mestres da harmônica de lá, como Little Walter e Walter Horton, mas não deixou de beber na fonte de Sonny Terry, cujo estilo segue à risca.
Ao mudar-se para Ann Harbor, cidade que possui um dos festivais mais importantes dos Estados Unidos, formou dupla com a guitarrista e cantora Shari Kane e tocou com toda a família Brubeck, inclusive Dave.
Conhecido no Brasil desde quando participou de um festival nos anos 90, Madcat nunca mais deixou de trazer sua música ao país. Entre os discos de blues gravados no Brasil, Live In Rio, uma parceria com a Big Joe Manfra Blues Band, certamente ocupa um lugar de destaque. Gravado na cidade maravilhosa em 2005, conta ainda a participação do gaitista Jefferson Gonçalves.
O CD traz Peter Madcat tocando temas bem humorados e o artista bem ambientado. Nesse álbum Big Manfra quebra tudo. Grandes músicas e grandes solos, resultado da amizade entre os músicos, o que mostra que o intercâmbio Brasil/Estados Unidos vai bem, pelo menos no blues.
Em 2007 tive a oportunidade de produzir no Teatro Coliseu de Santos exatamente esse show e com o time completo. Além de reproduzir o que estava no CD, Madcat atacou em um bandolin alguns temas tradicionais do folclore norte-americano. Muito bom, mais um artista de blues que passa por aqui e deixa sua marca. As foto abaixo são dessa apresentação, mas a entrevista foi realizada recentemente, em 2011.
Eugênio Martins Júnior – Seus álbuns e carreira mostram que você é um pesquisador das raízes musicais norte-americanas. Isso te permite uma liberdade de escolha na hora de gravar. Quero dizer, você não precisa se prender a um único gênero musical. Fale-me sobre isso.
PM – As raízes musicais norte-americanas (folk, blues e o velho o velho estilo de musica country) são tipos de música os quais me sinto confortável para tocar, mas gosto de escutar música do mundo inteiro.
EM – Você estudou harmônica com Big Walter Horton em Chicago nos anos 60. Qual foi a lição mais importante que recebeu?
PM – Antes de conhecer Walter ouvi grandes gaitistas tocando nos discos. A principal coisa que aprendi com Walter Horton é que é possível criar um grande som somente com a harmônica. Quando sentava com ele na mesa da sua cozinha, ele não usava microfone ou amplificador. Então, escutá-lo tocar no outro lado daquela mesa foi uma grande inspiração. Tive três lições com Walter Horton em 1967/68. Mais tarde, nos anos 70, ele me convidaria a tocar com ele no Blind Pig Café em Ann Harbor, Michigan.
EM – Como era a cena de Chicago naquela época?
PM – Chicago tinha uma cena blues muito ativa nos anos 60. Muddy Waters, Little Walter, Howlin’ Wolf, Willie Dixon, Sonnyboy Williamson, James Cotton, Junior Wells, Magic Sam, Buddy Guy, Paul Butterfield, Charlie Musselwhite and Otis Rush, todos viviam na cidade. Mas a música era tocada nos bares e ninguém com menos de 21 anos podia entrar. E eu tinha 18 ou 19 anos quando tive lições com Walter Horton. Mas todas as manhãs de domingo, quando o tempo estava bom, as bandas tocavam ao ar livre no mercado da Maxwell Street em Chicago e eu podia ouvir o blues lá. Também havia algumas rádios que tocam blues até tarde da noite.
EM – Me fale sobre a influência de Sonny Terry.
PM – Quando tinha 15 anos (1964) ouvi Sonny Terry e Brownie McGee no rádio e adorei. Logo após comprei algumas de suas gravações. Sonny Terry foi a minha primeira inspiração como gaitista. Nos primeiros anos que toquei harmonica só ouvia Sonny Terry.
EM – Conte-me como foi sua experiência na banda de Dave Brubeck. Ele é um dos gigantes do jazz e sua música é muito diferente do blues de raiz.
PM – Em 1968 conheci Chris Brubeck (o filho de Dave Brubeck) e em 1969 me juntei a sua banda de rock and roll: New Heavenly Blue. A banda era verdadeiramente instrumental e tocávamos vários tipos de música. Gravamos dois discos: Educated Home Grown (RCA Records) e New Heavenly Blue (Atlantic Records). Depois disso eu e Chris Brubeck tocamos em outra banda chamada Sky King. Gravamos Secret Sauce pela Columbia Records. Ao mesmo tempo toquei com com o irmão mais velho de Chris, Darius Brubeck. A banda se chamava The Darius Brubeck Ensemble. Em 1974 Dave Brubeck começou usar essa banda como suporte, mas com o nome de Two Generations of Brubeck. Gravamos duas vezes pela Atlantic Records e viajamos pelo mundo todo. Foi uma experiência extraordinária. Naquela época eu praticava harmônica feito um louco. A música de Dave Brubeck é ritmicamente complicada, mas é muito calcada no blues. Dave Brubeck é uma ótima pessoa, foi uma grande honra conhecê-lo e trabalhar com ele. Ainda toco com ele de vez em quando. Temos um concerto em junho de 2011.
EM – Você lançou dois discos pelo selo brasileiro Blues Time Records, Live in Rio com Big Joe Manfra, dono do selo e Live At The Ark. Você fez também muitas apresentações no Brasil. Quando começou essa parceria?
PM – Em 1995 um produtor de Chicago chamado Marty Salzman agenciou o dueto Madcat & Kane para tocar no Nescafé Blues Festival em São Paulo. Naquele tempo conheci alguns gaitistas como Flávio Guimarães e Jefferson Gonçalves. Então, em 1998, Marty agenciou-nos para tocar de novo em São Paulo no Sesc Blues Festival. Eu disse ao Jefferson que estava retornando ao Brasil e ele sugeriu que eu fizesse alguns shows com o Big Joe Manfra no Rio de Janeiro depois dos concertos com a Shari Kane em São Paulo. Aqueles concertos com o Manfra foram tão bons que eu voltei a tocar com ele novamente em 1999, 2000, 2001, 2003, 2004, 2006, 2007 e 2010.
EM – Qual é seu contato com a música brasileira, especialmente com os gaitistas?
PM – Em minhas dez visitas ao Brasil, tenho conhecido muitos gaititas, incluindo Thiago Cerveira, Big Chico, Sergio Duarte, Rodrigo Eberienos, Mauricio Einhorn, Pablo Fagundes, Robson Fernandes, Jefferson Gonçalves, Flávio Guimarães, Benevides Júnior, Paulo Meyer, Ale Ravanello, Alex Rossi, Guto Santana, André Serrano, José Staneck, Little Will e muitos outros.
EM – Você gravou excelentes álbums com a Shari Kane. Como foi a escolha do repertório de Key To The Highway e Up Against The Wall.
PM - Shari e eu adoramos blues antigos. Apenas gravamos o que gostamos.
EM – Recentemente você gravou Live At Creole Gallery. O que o baixista Mark Schrock e o baterista Mike Shimmin acrescentam em sua música? Fale um pouco sobre essa gravação.
PM – Durante anos Shari e eu tentamos diferentes bateristas e baixistas. Finalmente, em 2008, começamos tocar com Mark Schrock e Mike Shimmin. Eles tocam suavemente e não encobrem o som da guitarra acústica de Shari. Somos uma banda acústica, não há guitarras ou gaitas amplificadas no palco e nosso CD foi gravado ao vivo.
EM – Você prefere o som puro da harmônica quando a maioria dos gaitistas preferem plugar microfones bullets e em amplificadores valvulados. Desde quando você tira esse som e fale-me um pouco sobre seus equipamentos.
PM – Quando comecei a tocar harmônica em 1964 e meu herói era Sonny Terry que tocava de forma acústica. Ele nunca tocava segurando um microfone. Em 1967 construi um amplificador de guitarra com um kit (Heathkit) e comecei a tocar a harmônica através do microfone de um pequeno toca fitas Wollensak. Mais tarde cortei o microfone ao meio e conectei um controle de volume. Nunca usei um microfone bullet, eles são muito grandes.
Quando faço dupla com a Kane e quando toco no Triple Play (Chris Brubeck + Joel Brown + Peter Madcat Ruth), uso sempre a harmônica acústica. Quando toco com o Big Joe Manfra uso um microfone de gaita Shaker/Madcat e um amplificador de guitarra. Toco com grupos elétricos e acústicos com a harmônica amplificada ou não.
EM – A fábrica de gaitas brasileira Hering Harmônicas construiu um instrumento com sua assinatura. Qual foi seu envolvimento nesse projeto, foi você que desenhou. Como surgiu essa idéia?
PM – Nos anos 70 quando tocava com Two Generations of Brubeck era endorser Hohner. Nos anos 80 passei a ser endorser da Huang Harmonica. Em 1995 Alberto Bertolazi, presidente da Hering Harmonicas, veio ao SPAH Harmonica Convention nos Estados Unidos e me deu algumas gaitas Hering. Fiquei muito impressionado e passei a ser endorser Hering. Meu modelo favorito era a Hering Blues. Há alguns anos Alberto fez um protótipo da Madcat Harmonica baseado no desenho da Hering Blues. Ambas são feitas pela Hering.
EM – Ann Harbor, a cidade onde você mora, instituiu o dia Peter Madcat. O que significa, é um dia dedicado à música?
PM - Peter Madcat Ruth Day foi apenas um dia: 22 de abril de 2009. Celebramos meu aniversário de 60 anos. O prefeito e o condado de Ann Harbor oficializaram esse dia. Ganhei um grande concerto na cidade aquela noite em um lugar chamado The Ark. Foi muito bom ser homenageado na minha cidade. Cresci em Chicago, mas mudei para Ann Harbor em 1970.
Interview with Peter Madcat
Eugênio Martins Júnior - You are a researcher of american roots music and your albums and career shows that. This affords you a freedom of choices to record. I mean, you don't have to play a only music genre? Tell me about it.
Peter Madcat - American roots music (folk music, blues, and old style country music) is the kind of music I feel most comfortable playing, but I enjoy listening to music from all over the world.
EM - Did you studied harmonica with Big Walter Horton in Chicago at 60's. Which was most important lesson that he gave you?
PM - Before meeting Walter I had only heard great harmonica playing on records. The main thing I learned from Walter Horton is that it was possible to create an amazing sound with just a harmonica. When I sat with him at the table in his kitchen, he didn’t use a microphone or an amplifier. So it was a huge inspiration to hear him play such amazing music across the kitchen table. I took three lessons with Walter Horton in 1967/68. Later in the 1970s he would let met sit in with him when he played at the Blind Pig Cafe in Ann Arbor, Michigan.
EM - How was the Chicago scene at that time?
PM - Chicago had a very active blues scene in the late 60s. Muddy Waters, Little Walter, Howlin’ Wolf, Willie Dixon, Sonnyboy Williamson, James Cotton, Junior Wells, Magic Sam, Buddy Guy, Paul Butterfield, Charlie Musselwhite and Otis Rush all lived in Chicago then. But the music was mostly played in bars, and nobody under the age of 21 could go into a bar. And I was 18 and 19 when I took lessons from Big Walter Horton. But every Sunday morning, if the weather was good, blues bands would play music out doors at the Maxwell Street open air market in Chicago, so I could hear blues there. Also there were a few radio stations that would play blues music late at night.
EM – Tell me about Sonny Terry's influence.
PM - When I was 15 years old (1964) I heard recordings of Sonny Terry and Brownie McGhee on the radio and I loved it! Soon after that I bought a few phonograph records of their music. Sonny Terry was my first harmonica inspiration. For the first few years I played harmonica I only listened to Sonny Terry.
EM - How was your experience at Brubeck's band. He's one of the giants of jazz and his music it's very different of blues roots. Tell me about it.
PM - In 1968 I met Chris Brubeck (Dave Brubeck’s son) and in 1969 I joined his Rock and Roll band: New Heavenly Blue. This band was very experimental and we played many types of music. We put out two phonograph records: EDUCATED HOME GROWN (RCA Records) and NEW HEAVENLY BLUE (Atlantic Records). After that Chris Brubeck and I were together in another band called Sky King. We had a record called SECRET SAUCE (Columbia Records). At the same time I played music with Chris’s older brother, Darius Brubeck. The band was called The Darius Brubeck Ensemble. In 1974 Dave Brubeck started using the Darius Brubeck Ensemble as his back-up band and the band was renamed: Two Generations of Brubeck. We had two phonograph records on Atlantic Records, and we toured all over the world. It was an amazing experience. I practiced harmonica like crazy back then. Dave Brubeck’s music is quite complicated rhythmically, but it is really rooted in blues... Dave Brubeck is a great person. It was a great honor to know him and work with him. I still perform with him once in a while. We have another concert together in June 2011.
EM – Did you released two albuns by Blues Time Records, a brasilian label, Live in Rio com Big Joe Manfra, a brasilian guitar player and owner of the label,, and Live At The Ark. Did you made many gigs in Brasil too. When e how start this partnership?
PM - In 1995 a promoter from Chicago named Marty Salzman booked my duo, Madcat & Kane, to play at Nescafe Blues Festival in São Paulo. At that time I met several Brazilian harmonica players including Flávio Guimarães and Jefferson Gonçalves. Then in 1998 Marty booked us to play again in São Paulo at the SESC Blues Festival. I contacted Jefferson to tell him I was returning to Brazil and he suggested that I play some gigs with Big Joe Manfra in Rio de Janeiro after my concerts with Shari Kane in São Paulo. Those concerts with Big Joe Manfra went so well that I returned to perform with Big Joe Manfra again in 1999, 2000, 2001, 2003, 2004, 2006, 2007 and 2010.
EM – Which was your contact with brasilian music, especially with the harp players?
PM - In my ten visits to Brazil I have met many great harmonica players including Thiago Cerveira, Big Chico, Sergio Duarte, Rodrigo Eberienos, Mauricio Einhorn, Pablo Fagundes, Robson Fernandes, Jefferson Gonçalves, Flávio Guimarães, Benevides Júnior, Paulo Meyer, Ale Ravanello, Alex Rossi, Guto Santana, André Serrano, José Staneck, Little Will and many more.
EM – You recorded excellent albums with Shari Kane. How did you chose the repertoire of Key To The Highway and Up Against The Wall?
PM - Shari and I both love old blues... We just chose songs we liked.
EM - Recently you recorded on Live At Creole Gallery. How bass player Mark Schrock and drummer Mike Shimmin complete your music? Tell me about this record.
PM - Over the years Shari and I tried several different drummers and bass players. Finally in 2008 we started playing with Mark Schrock on bass and Mike Shimmin on drums. They play lightly enough that they don’t cover up Shari’s acoustic guitar sound. We are an acoustic blues band. There are no guitar or harmonica amps on stage. Our CD was recorded live.
EM - Do you prefer a pure sound of harp when a lot of harp players prefer plug an instrument in bullet mics e valve amps. When you start to use that? And tell me about your setup, when you start to use a Hering?
PM - When I started playing harmonica in 1964 my hero was Sonny Terry who played in the acoustic style. He never played with a hand held microphone. In 1967 I made a solid state guitar amplifier from a kit (Heathkit) and started playing harmonica through a small Wollensak tape recorder microphone. Later I cut that microphone in half and attached it to a ring, and added a volume control on a watchband. I never played through a bullet mic. I don’t like them. They are too big.
When I play with Madcat & Kane and when I play with Triple Play (Chris Brubeck + Joel Brown + Peter Madcat Ruth) I only play acoustic harmonica. When I play with Big Joe Manfra I use a Shaker/Madcat Harmonica microphone and a guitar amp. I play with both acoustic and electric groups so I play both acoustic and amplified harmonica.
EM - The manufacture from Brasil, Hering Harmônicas, made an instrument with your signature. Which was your involvement in this project, did you designed? How appeared the idea?
PM - In the 1970s when I was playing with Two Generations of Brubeck I became a Hohner Harmonica endorser. Then in the 1980s I became a Huang Harmonica endorser. In 1995 Alberto Bertolazi, the President of Hering Harmonicas came to a SPAH Harmonica Convention in the USA and he gave me some Hering harmonicas. I was very impressed, so I became a Hering Harmonica endorser. My favorite model was the Hering Blues. A few years latter Alberto made me a Madcat Harmonica as a prototype, based on the design of the Hering Blues. Now they are being manufactured by Hering.